Profº Paulo Soares
Começo esse relato falando de José Pereira Filho, um simpático e enérgico senhor conhecido como “Govéi dos Congos”. Trata-se de uma pessoa que, literalmente, assume a posição de sujeito e que singularizou-se como líder da história religiosa de um grupo de pessoas na cidade de Juazeiro-Ba, conduzindo uma tradição afro-brasileira herdada de maneira direta do avô. Trata-se dos Congos de Juazeiro, um grupo religioso que preserva o culto a Nossa Senhora do Rosário, historicamente ligado ao povo negro em várias regiões do Brasil. O grupo sai em cortejo pelas ruas da cidade de Juazeiro no dia de Nossa Senhora do Rosário (último domingo de outubro), no dia de Finados (02 de novembro) e nos dias em que são convidados para visitação a algumas casas do município
Acompanhamos os congos na sua visita ao cemitério no dia de finados. Neste dia aconteceu uma missa católica em frente a capela do cemitério e crentes evangélicos distribuíram panfletos na entrada do cemitério. Somente depois da missa é que os Congos começam as suas cantorias ao som dos pandeiros. Em cada cova de um congo falecido, eles cantam a sua música predileta ou alguma que faça lembrar dele. Debaixo do sol causticante, os Congos também rezam e pedem pela alma dos seus entes queridos. Um congo falecido, cuja música predileta é cantada e dançada ao pé de sua cova, como – ao que pude ver – ser costume nesse dia, certamente é lembrado pela amizade vivida com as pessoas que hoje o homenageiam. Mas, não para por aí. Um congo falecido e lembrado no dia de finados representa a legitimidade de uma tradição passada de pai para filho e de avô para neto, legitimidade essa também expressa no modo como pessoas de todas as idades, sobretudo as crianças, se envolvem com as práticas dos congos. São as forças da continuidade (cf. VELHO: 2008) garantindo a existência de um laço que resiste ao tempo e envolve um grupo de pessoas do presente com outras do passado dentro de uma mesma tradição identitária.
A partir da liderança de Govéi, os congos de Juazeiro-Ba formam um grupo cultural marcadamente religioso, religiosidade essa fortemente expressa através da saída dos congos no dia da festa de Nossa Senhora do Rosário e no dia de finados para visita ao cemitério da cidade, como pude acompanhar. Pensando a partir dos objetivos da nossa pesquisa, a qual lida com processos identitários e de singularização, podemos considerar que saindo para homeagear os seus mortos, os congos estão reavivando os vínculos identitários que os distinguem enquanto grupo diferenciado, pois que a sua prática constitui-se enquanto prática simbólica diferenciada das outras que aconteciam paralelamente naquele dia de finados, no cemitério de Juazeiro-Ba.
A existência desse tipo de religiosidade em muitos lugares do Brasil e especialmente neste caso é, certamente, uma herança das tradições africanas, cuja religiosidade e visão de mundo cultiva uma relação viva com os antepassados.
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