terça-feira, 11 de setembro de 2012

Ilha do Fogo: Exército Expulsa a População

O que realmente fere mais: O direito da população que perdeu o acesso a ilha...
 Ou  a  atual paisagem composta de soldados armados,  cerca de arame farpado e  cadeados?
A tomada da ilha pelo 72 BIMTZ de Petrolina, pelo  comandante James Corlet dos Santos, na madrugada do dia 03/09/2012, foi uma ato ostensivo de força para expulsar a população que estava na ilha naquele momento e aquela que costuma frequentá-la. Mesmo com “bons modos”, um pelotão de aproximadamente 200 soldados apontou fuzis contra uma população desarmada, usou de tática de combate como se estivesse numa guerra.

Mais tarde, a demonstração de força veio verbalmente, através da imprensa local, pelo comandante James Corlet dos Santos. Ao dizer orgulhosamente da estratégia montada para entrar e dominar a ilha, naquela madrugada, revela a motivação e o peso de um açoite ao direito de livre uso do tradicional bem público.

O filósofo francês Maurice Blanchot disse que “quando há violência, tudo é mais claro, mas quando há adesão talvez haja apenas o efeito de uma violência que se esconde no seio do consentimento mais seguro”. No caso, abusou-se de estratégias movidas por este tipo de “consentimento”. Neste sentido, para não se defrontar com as presumíveis reações da população e com aquilo que poderia ser melhor alternativa, traçou fria e tecnicamente sua expulsão da ilha.

 Decisões como essa de “entregar” a Ilha do Fogo não se dão como deveriam, numa democrática e legítima luta política direta ou embate de ideias. Tem por trás um intrincado jogo de interesses, além de um arranjo burocrático, conforme o termo de entrega da ilha datado de 23 de novembro de 2010, assinado pela Superintendência do Patrimônio da União do Estado de Pernambuco (SPU-PE) e pelo Comando do Exército, por intermédio do 72 BIMTZ de Petrolina. Que forças não populares estão operando para decisão dessa entrega?  Quem tem mesmo poder para sobre a ilha ou quem deve administrá-la? Como foi parar na mão do exército sem que nenhum prefeito, vereador ou segmento da sociedade civil pudesse interferir? Esses esclarecimentos o comandante não deu. E era isso que precisava ser esclarecido e divulgado. 

A justificativa da tomada da ilha do fogo pelo exército, dizendo que é um lugar de drogas, é de causar espanto.  Esse argumento parece de alguém que não quer reconhecer o gesto agressivo de ter cerceado o direito da população e tirado dela o espaço de lazer e encontro da comunidade. A questão das drogas não está “localizada” na Ilha do Fogo. Mesmo se estivesse, é preciso saber se era dever do exército enfrentar o problema. Até onde se sabe as drogas não são um problema militar. É mesmo uma ilusão achar que só tem droga em um lugar, que tomando esse lugar, as drogas somem. Se alguém deu a entender tal coisa, se alguma autoridade disse isso, foi no mínimo um grande equívoco, no máximo, uma desculpa esfarrapada. Cabe às autoridades serem claras sobre essa complicada questão, inclusive mostrando que não se pode resolvê-la apenas fechando um lugar, transferindo o problema de um lugar para outro. Enfim, se alguém teve a ilusão de que a ilha estando nas mãos do exército vai evitar o tráfico das drogas, essa pessoa foi enganada. Afinal, o que está em discussão é outra coisa: o cerceamento do direito de uso da ilha pela povo e não se havia maconheiros debaixo da ponte. E os pescadores, qual a explicação para seu impedimento de permanecer e trabalhar na ilha, cuidando de seu ganha-pão?

As autoridades devem responder pelas suas competências. O termo de entrega da SPU de Pernambuco, descrito na claúsula segunda, que levou o exército a tomar a ilha da população, não previa ali uma ocupação militar. O espaço foi cedido para fins da implantação de uma base de apoio às operações de Revitalização do Rio São Francisco. O que o exército está fazendo não corresponde à finalidade para qual foi solicitado. O que soldados com fuzis empunhados em ameaça à população tem a ver com a revitalização do rio? Que tipo de revitalização pode ser feita sem participação da comunidade e à força? É essa a nova “paisagem” mostrada para a população que passa por ali, além de ampla divulgação em diversos meios de comunicação.

O que há por trás da ação militar na ilha do fogo? A quais interesses está servindo? Quem desvenda para a população o jogo de poder das forças articuladas nesta entrega?

Nossa ilha está transformada em área debase militar, a população impedida de freqüentar. É uma violação dos direitos e princípios constitucionais reconhecida como desvio de finalidade pública. Portanto, está fincada claramente a substituição da paisagem viva por um lugar vazio, sombrio, militarizado.

A ilha (um pedaço da cidade) foi arrancada da população, mas certamente, nenhum poder instituído conseguirá arrancar da mente coletiva a lendária “serpente da Ilha do Fogo”, que entrelaçada em fios de cabelo de Nossa Senhora das Grotas está em alerta defesa da tradição, assim que mais um fio se rompa pelo desrespeito e pelo descuido dos governantes com seu povo e sua cultura.

Lorena de Araujo Melo

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