terça-feira, 21 de setembro de 2010

ESSA TERRA - ANTÔNIO TORRES

Um novo sertão na literatura brasileira: Essa Terra, de Antônio Torres
A história narrada no romance Essa Terra, que Antônio Torres publicou em 1976, desenrola-se em espaços que têm referentes precisos na geografia do Brasil: as povoações do Junco, de Feira de Santana e Alagoinhas, situadas no interior do Estado da Bahia, e a cidade de São Paulo. Esta última, Alagoinhas e Feira de Santana surgem como áreas complementares, com maior ou menor importância no plano das ações e no nível do sentido, ao passo que a cidadezinha do Junco, atualmente denominada Sátiro Dias, forma o território fulcral da narrativa, aquele para o qual apontam em primeiro lugar os títulos da obra e das suas quatro partes. Embora a realidade geográfica do sertão brasileiro não esteja perfeitamente determinada — dado que em certas definições corresponde a todas as terras e povoações do interior, por oposição às do litoral, em outras engloba apenas as áreas mais desertas e distanciadas da costa e dos grandes centros urbanos e ainda noutras se restringe à zona interna da região nordestina, caracterizada por secas periódicas e pelo domínio da caatinga —, não resta dúvida de que ele é o espaço referencial nuclear de Essa Terra, pois o centro do mundo construído na narrativa (assim como algumas das suas periferias) se enquadra bem em qualquer das acepções mencionadas.
As formas e o significado que a representação do sertão assume nesse romance constituem a matéria do presen te trabalho que busca, simultaneamente, posi cioná-lo no quadro de uma possível “literatura sertaneja”. Tal designação se aplica aqui à produção literária erudita — da qual se excluem as produções de caráter popular como a literatura de cordel — em que se verifica uma estreita relação entre o universo ficcional e a realidade física e humana do sertão e que diversos estudiosos demonstraram constituir um filão que atravessa a Literatura Brasileira desde o Romantismo. Nessa literatura, a manipulação dos aspectos físicos, sociais, econômicos, políticos, culturais e lingüísticos do universo sertanejo tem, como não podia deixar de ser, mudado ao longo dos tempos. A visão que lhe está subjacente varia entre dois extremos opostos, caracterizando-se ora pela idealização, pela exaltação, pelo otimismo, ora, ao contrário, pelo realismo, pela atitude crítica, pelo pessimismo, quando não combina tais características em proporções e com efeitos variados. Nem mesmo no conjunto das obras que evidenciam uma forte marca de “veracidade” na composição do universo fic cional se encontra um retrato uniforme do sertão, porque, necessariamente incompleta, a imagem produzida em cada uma delas resulta da seleção, da combinação e da funcionalidade, no interior do texto, dos elementos extraídos do real. Daí a existência não de um, mas de muitos sertões na Literatura Brasileira. Há, contudo, semelhanças nessas representações, explicáveis, em parte, pelas circunstân cias históricas e pelas correntes estéticas atuantes na época de produção das obras, em parte, por motivações de natureza subjetiva.

Vania Pinheiro Chaves
Professora de Literatura Brasileira na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa

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