segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

UM MITO DA UNIVERSIDADE, DAS CIDADES E DOS BARES


Por Dalila Santos, aluna de Comunicação Social no DCH III/UNEB, Juazeiro

- Posso fumar um cigarro?
- Claro!
Assim começou minha conversa com Josemar Martins, na varanda do Departamento de Ciências Humanas III com toda a agitação de um ambiente, com o rumor de jovens, de depois, após o cigarro se apagar, no silêncio da sala dos professores.
Muitos podem não conhecer a pessoa Josemar Martins, mas com certeza todos conhecem o professor, o poeta, o músico, o amigo: Pinzoh. Sempre sorridente pelos corredores, distribuindo abraços apertados, beijos e contando “umas histórias que estão rolando por aí”. A pergunta que não quer calar: de onde vem o apelido? Tudo começou quando o aluno Josemar, que cursava a 5ª série no Colégio Professor Ivo Braga, em Curaçá, errou uma pergunta numa prova de História. Quais eram os nomes dos navegadores que vieram nas três embarcações de Colombo? Um deles era Vicente Yáñez Pinzón, mas o aluno escrevera Vicente Yáñez Pinzó, sem o “n”, e errou a questão. Levou um “E”, bem grande e vermelho. Assim, os colegas zombaram do seu erro durante muito tempo e o apelido foi inevitável. Mais tarde incorporou o “h” ao apelido e tornou-se sua marca registrada, o primeiro e único Pinzoh na vida de qualquer pessoa que o conhece.
Sua história começa em uma pequena localidade, no sítio chamado São João,pertencente ao povoado de São Bento, município de Curaçá. É o segundo filho numa escala de cinco, dois homens e três mulheres. Seu pai era semi-analfabeto, mas desenvolveu o hábito da leitura e da escrita de forma autodidata. Treinava a letra em cadernos de caligrafia. Escrevia e lia cartas para os vizinhos. Sua mãe aprendeu a ler e a escrever, mas caiu no esquecimento pela falta de uso.
Sua vida é marcada por quatro rupturas. A primeira aconteceu na infância, quando seu pai decidiu reunir as coisas da família e ir embora, tentar a vida em outro destino. A mudança parece cena de cinema: uma família tocando seus animais e levando suas coisas à pé, como a cinematografia retrata os retirantes nordestinos. Foram morar na beira do rio, em um terreno que pertencia à sua avó. O apego ao lugar de origem era grande, cheio de recordações, e a mudança foi sofrida. Além do primeiro contato com as muriçocas, que ele não sabia que incomodavam tanto.
Um ano após a mudança, a família foi morar em Curaçá, zona urbana, tem ordem seu pai. Os filhos iriam descobrir um universo novo e o patriarca não gostava muito dessa ideia  Josemar, que já escrevia versinhos rimados, tem seu primeiro contato com a poesia e com o teatro.
A MÃO, primeira poesia, um tanto infantil, conquistou o terceiro lugar no Concurso de Poesia da Primeira Semana Cultural de Curaçá, ocorrida entre os dias 7 e 12 de fevereiro de 1984.
A primeira poesia lhe rendeu muitas outras. E, em 1986, lançou seu primeiro livro de poesia com Pinduka, chamado “Come-Tendo Poesias”. Anos antes os dois já tinham imprimido um pequeno livreto em mimeógrafo a óleo. Como todos que faziam arte na cidade, foi marginalizado e começou a se auto-elaborar, através dos cabelos, das roupas. Seu pai não gostava do seu comportamento e sua mãe, como a maioria delas, acolhia o filho e não acreditava que o mesmo era o protagonista das fofocas contadas pelos vizinhos. Segunda ruptura: Saiu dos versinhos rimados para escrever poesias de protesto, de escracho, poesia concreta. Nessa fase, foi parar no fórum duas vezes. Só não foi preso porque a sua idade não permitia. Na época, começou a acessar um mundo novo, através da literatura, da música, do cinema e da sexualidade. Assim, o grupo “cultural” torna-se uma espécie de mito na cidade.

Outra ruptura foi sua vinda para Juazeiro. Fez vestibular achando que iria cursar filosofia, afinal era a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Juazeiro. Mas para a sua surpresa o curso era Pedagogia, que, inicialmente, não foi sua escolha, mas passou a ser com o tempo.
A distância dos amigos, da família e do movimento do qual fazia parte foi muito doloroso para o calouro que entrara na universidade no ano de 1989. No primeiro ano de faculdade, ele ia e voltava todos os dias. Depois, morou em Petrolina e Juazeiro. Durante todo esse tempo, não cessou de trabalhar: no campo, na construção civil em Curaçá, como vendedor de plano de saúde e balconista de papelaria em Juazeiro. Pegou sua caixa de serigrafia, comprou nylon e algumas camisetas Hering e vendia na orla de Juazeiro, onde as barquinhas atracam até hoje. Nas camisetas, poesias suas, de seu bom e velho amigo Pinduka e de outros autores, que ele encontrava em cartões poéticos, mas mantendo fidelidade à estética dos mesmos.
Sempre morou com mulheres, nenhuma delas foi sua. Até se apaixonar de maneira avassaladora pela então professora e chefe de departamento Ana Lílian dos Reis. Como a maioria dos relacionamentos entre professores e alunos em uma instituição de ensino, o namoro foi clandestino por algum tempo. Pinzoh assume que nunca pensou em matrimônio, mas foi tomado por um sentimento que nunca havia experimentado:
- Nunca pensei em me casar. Quando me dei conta estava no fórum, casando, assinando meu nome no livrão.
A quarta, e talvez não seja a última ruptura, foi quando se tornou professor de seus colegas de faculdade. Pinzoh se formou em janeiro de 1994, mas terminou o curso em dezembro de 1993, pois atrasou um ano porque perdeu uma disciplina que era pré-requisito. Prestou concurso em março de 94, e quando se deu conta, naquele mesmo ano estava ministrando aula para amigos de turma e portadores de diploma. Um desses portadores era Álamo Pimentel, que mais tarde estaria em sua banca na defesa de seu doutorado.
Sempre em busca dos seus objetivos, Pinzoh pediu demissão de professor da Prefeitura Municipal de Juazeiro e da Secretaria de Educação do Estado da Bahia e foi fazer especialização em Belo Horizonte, na PUC, em 1995. Em 98, deu entrada no mestrado, um convênio entre a UNEB e a Universidade de Paris VIII.
As aulas eram ministradas na cidade de Senhor do Bonfim. No meio do caminho, a parceria foi desfeita e o mestrado que duraria dois anos, resultou em quatro, sendo finalizado pela Universidade de Québec. O diploma foi entregue em 2003, mas, em 2002, Josemar, que não é bobo, fez Seleção para Doutorado na Faculdade de Educação, da UFBA, e foi aprovado. O doutorado iniciou em 2002 e, no dia 15 de setembro de 2006 a tese “Tecendo a rede: Notícias Críticas do Trabalho de Descolonização Curricular no Semi-árido Brasileiro” foi defendida com muitos elogios por parte da banca. Todos foram unânimes em afirmar que Josemar Martins, Pinzoh, já era doutor pela sua trajetória de vida.
Doutor Josemar Martins, Doutor Pinzoh... O mesmo afirma que esse não é um fato que pesa, acredita que ainda não se deu conta disso. “Fiz o doutorado porque é uma etapa acadêmica, queria ampliar minha formação. Eu quero tudo! Eu não quero uma parte!”, afirma. Como em todos os momentos, sua fala é seguida de uma gargalhada solta e gostosa.
Para o futuro, o profissional quer escrever um livro no campo da cultura e incorporar seus alunos em algum projeto futuro de iniciação científica. O poeta quer viver a vida, para que não passe sem que ele aproveite os pequenos e mais preciosos momentos. Como estar na mesa de um bar bebendo com os amigos, jogando conversa fora e tocando violão. Nas rodas de amigos, nos bares ou em qualquer lugar onde tenha um violão, todos pedem: Bem Velho! Bem Velho!. Pinzoh não titubeia, pega o violão e canta seus versos.
Falando de si, Pinzoh se define como uma pessoa privilegiada, embora tenha vindo de uma comunidade rural e seus pais sejam semi-analfabetos.
 - Encontrei pessoas bacanas, na hora certa, no lugar certo. Tudo que fiz de bom ou de ruim me trouxeram até aqui. Cheguei em 90 em Juazeiro como indigente, dormindo em papelão na casa de uma amiga. Dez anos depois, fui um dos nomes indicados para assumir a Secretaria de Educação do Município.Cheio de sardas espalhadas no seu pequeno corpo, com os cabelos enrolados e com o brinco que tem desde os 18 anos (foi o primeiro homem em Curaçá a colocar furo na orelha), Pinzoh está sempre presente nas discussões acadêmicas e nas mesas de bar. Apaixonado por tudo que faz, pela arte e pelas pessoas que fazem parte da sua vida de alguma forma. 
Termino essa conversa mais amiga, mais fã e tendo-o como um exemplo de vida pessoal e profissional. Saímos da sala e vamos para o Canto de Tudo assistir a mais um filme das noites de sábado. Professor e aluna, amigo e amiga, companheiros de alguns reggaes e tagarelas de diversos assuntos. Só me esqueci de perguntar uma coisa: quando vamos tomar umas cervejas?

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